Olá pessoal!
Vamos saber sobre Guilherme Guimarães.
Em meados dos anos 60, Guilherme Guimarães era considerado o
maior costureiro do Brasil. Seus vestidos de gala e de noiva eram, como se
dizia na época, a coqueluche das grã-finas. Suas casas foram muitas. Ele tinha
um apartamento na Avenida São Luís, no Centro de São Paulo, com um Miró na
parede, e outro no Rio, no Flamengo.
Desde criança, Guilherme sempre foi fascinado pelo glamour
social - do Brasil e do mundo -, pelas artistas de cinema, por objetos de
decoração e roupas. Anotava tudo o que lia num caderninho e sabia quem casou
com quem, como era o vestido, como eram as jóias, como foi à festa, o que foi
servido e quem eram os convidados (isso, sem conhecer ninguém). Com essas
preocupações, não podia ser um bom aluno. Passava as aulas desenhando vestidos
e só se interessava por aprender inglês, francês e geografia.
Um dia,
aos 14 anos, lia num jornal sobre um crime que acontecera no Rio e que se
tornaria célebre: um homossexual havia sido morto por seu caso com um castiçal
na cabeça. Sua mãe o viu e disse apenas uma frase: “Eu preferia ter um filho
morto a ter um filho homossexual”. Guilherme estudava num colégio de padres
barnabitas e, no dia seguinte, um dos homens de batina o chamou para dar uma
notícia triste: Guilherme seria expulso do colégio. Mas por quê? Porque as mães
dos outros alunos haviam feito um abaixo-assinado pedindo a expulsão, por ele
ser “diferente”.
O garoto, que morava em Laranjeiras, passou o dia inteiro
zanzando pelo bairro, sem saber o que fazer, como chegar em casa, como contar à
mãe. Já de tarde, entrou nas Lojas Americanas para comprar um caderno de
desenho e topou na porta com um rapaz que conhecia de vista, nadador do
Fluminense. Em desespero, pensou: “Se ele me chamar, eu vou”. Ele chamou,
Guilherme foi, e teve sua iniciação sexual.
Sem
freqüentar mais o colégio, Guilherme começou a circular em torno da Praça
Tiradentes, nos tempos em que Walter Pinto e Carlos Machado, como se dizia,
arrasavam no teatro rebolado. Só havia um problema: ele não podia entrar, era
menor de idade. Vidrado em mulheres bonitas, um dia viu na praia uma das
coristas do clube Night and Day. Arriscou chegar perto e suplicou: “Meu sonho é
ver uma peça de teatro. Você não podia me ajudar?”. A vedete, Marlene Rosário,
disse-lhe que chegasse mais cedo e ela o levaria até o lugar onde ficava o
iluminador. Guilherme foi e se deslumbrou com as moças, que desciam de um disco
cobertas de plumas e paetês, cantando e dançando, quase nuas. Viu que seu
futuro tinha de seguir por ali: roupas maravilhosas para mulheres maravilhosas.
Descobriu assim a sua vocação.
Antes de poder realizá-la foi convocado a prestar o
serviço militar. Uma noite, encontrou um amigo que, como ele, se tornaria
costureiro famoso: Denner. Pediu um conselho, e o amigo lhe disse para fazer o
que ele havia feito para escapar do Exército: raspar as pernas e, em vez de
cuecas, vestir Zazá, uma calcinha famosa naqueles tempos, que existia nas cores
rosa, amarelo e azul. Dito e feito. Quando Gui tirou as calças, todos os
machões riram e o sargento caminhou firme em sua direção. “Você está isento!”,
gritou-lhe o sargento. “Aqui é lugar de homem!” Era tudo que Guilherme queria
ouvir.
Gui não sabia como concretizar sua vocação. Se fosse estudar, só seria alguém aos 30 anos, e ele tinha pressa. Queria ser famoso logo. Um amigo, que encontrou num lotação contou que a Varig estava fazendo um concurso para o uniforme das aeromoças; por que ele não tentava? Contou também que o resultado seria decidido pela poderosa Charlotte Franklin, diretora da companhia em Nova York, que chegaria ao Rio na manhã seguinte. Guilherme perguntou: “Do que ela gosta?”. “De rosas vermelhas”, foi a resposta. Na manhã seguinte, bem cedo, GG estava na porta do Hotel Glória, sobraçando um colossal buquê de rosas. Ficou horas ali, até que Charlotte chegou. Entregou-lhe as flores e os croquis para o concurso, que, aliás, ganhou. Prêmio: uma passagem para Nova York e US$500. Apaixonou-se pela cidade e foi ficando, ficando.
Charlotte, por sua vez, se afeiçoou a Guilherme e
encomendou-lhe alguns vestidos, que ela provaria quando viesse ao Rio. Ele a
convenceu a fazer o contrário: iria ele a Nova York para as provas dos
vestidos. Para variar, o atilado carioca levou a melhor, ganhou uma ponte aérea
Rio-NY e uma casinha alugada, por coincidência na Gay Street, no Village.
Passava as tardes andando pela Sétima Avenida, o lugar dos atacadistas de moda,
mostrando seus croquis. Às vezes, vendia algum por US$10, e assim ia vivendo.
Conheceu pessoas, fez amizades e, através do amigo de um amigo de um amigo,
chegou à poderosa Loretta Scanell, diretora da revista Town &
Country. Marcou hora, levou os desenhos e teve como resposta um vago “Eu
te ligo”.
Demorou,
mas um dia ela ligou, convidando Gui para um chá no hotel onde um costureiro
italiano estaria apresentando sua primeira coleção. Seu nome: Valentino. Nessa
mesma tarde, Loretta sugeriu a GG fazer um desfile na cidade, e perguntou se
ele tinha condições. Ele não tinha, mas disse que tinha. Soube então que havia
uma grande fábrica em Petrópolis, com todos os tecidos de que precisaria. Tomou
um ônibus, bateu na porta, pediu para falar com o dono e expôs a situação. “O
senhor me daria os tecidos?”, perguntou, na maior candura. O empresário disse que
sim, bastava que Guilherme dissesse quantos metros precisaria de cada um. Em
três dias os croquis estavam prontos, e os cálculos das metragens, feitos.
Telefonou a Loretta e marcaram a data do desfile. Havia um pequeno senão: ele
deveria levar cinco manequins.
Cinco manequins quer dizer cinco passagens, fora hotel,
cachês etc. A Varig, que patrocinou o desfile, ofereceu as passagens, mas só
três. O cachê ficaria para a volta, quando ele vendesse a coleção. Como
manequins, quando estão começando, topam qualquer coisa, tudo se resolveu
lindamente. O desfile foi um sucesso e deu página inteira no New York
Journal American, com foto de Guilherme, chamado de “Guillaume from
Brazil”. A reportagem foi reproduzida na revista Manchete, e Gui
chegou ao Rio já consagrado. Rapidinho, o grand monde começou
a aparecer no seu pequeno ateliê, já com três costureiras contratadas. Recebeu
um telefonema de Tônia Carrero, dizendo que ia a Londres para a estréia do
filme The V.I.Ps e que precisava de vestidos para a viagem.
Guilherme não só fez os vestidos, como foi levá-la ao aeroporto, com direito a
foto na primeira página de O Globo.
Logo o
ateliê ficou pequeno. GG alugou um apartamento maior e contratou mais
costureiras. Corria o ano de 1968. Foi quando a rainha da Inglaterra veio ao
Brasil. Boa parte das elegantes do Rio encomendou vestidos a Guilherme. Aos 25
anos, ele era rico e famoso, exatamente como havia jurado. Mas a consagração
mesmo veio quando um dia telefonou Carmem Mayrink Veiga, que ele não conhecia,
mas idolatrava furiosamente. Carmen queria vários vestidos para o verão, entre
eles um de baile, vermelho, para usar com seus rubis. “No verão as mulheres só
usavam jóias de turquesa, coral, marfim e jade; esmeraldas, safiras, rubis e
diamantes, só no inverno. Havia também as bolsas de ouro, que se chamavam Farah
Diba. Quem não tinha uma não era ninguém.”
Suas roupas foram notadas no Swan Ball, em Nashville, ele
fez um desfile no Waldorf-Astoria, em Nova York, e outro para a marca Neiman Marcus,
no Texas, vestiu a rainha da Suécia, conheceu Elke Maravilha e a levou para
desfilar suas roupas na Suíça. Desenhou os uniformes, chiquérrimos, para o
corpo feminino da Marinha. Foi chamado por Glauber Rocha para fazer os
figurinos de Terra em transe - de graça, pois a produção não
tinha dinheiro. Só ouviu do diretor uma recomendação: que as roupas fossem
deslumbrantes.
Conta que o empresário André Brett pediu que ele fizesse
uma coleção de prêt-à-porter e jeans. O salário seria de US$ 8 mil mensais. GG
pensou, pensou e aceitou. Foi morar em Nova York. Viajava para o Brasil duas
vezes por ano, para trabalhar nas coleções. Alugou uma town house na
Rua 82, entre Madison e Park, e, como não tinha dinheiro para decorá-la do
jeito que queria, colava pedacinhos de papel nas paredes e no chão. Num
escrevia “quadro de Picasso”, noutro “escrivaninha francesa”, em mais outro
“sofá de plumas”, e assim ia.
O contrato com André Brett acabou, e GG resolveu abrir
uma boutique na Avenida Madison. Tudo ia muito bem, até que a boutique foi
assaltada e ele perdeu tudo o que tinha. Terminaram os belos dias e começaram
os duros tempos em que comia pedaços de pizza, bebia Coca-Cola. Se tivesse
acreditado mais em sua cartomante, Zazá (Guilherme não fazia nada sem perguntar
a ela), não teria aberto a boutique. Zazá havia dito que a aventura
nova-iorquina não daria certo. Mas profetizou também que, depois, ele
trabalharia numa grande Maison de costura francesa. Pela
primeira vez, Guigui não acreditou em Zazá.
Foram
meses de penúria. Depois de sete anos em Nova York, GG voltou ao Brasil, em
agosto de 1985, sem nada, a não ser um apartamento vazio em São Paulo; sem
dinheiro para comprar uma cama, dormia num colchão no chão. Mas aí toca o
telefone. Era uma proposta: ele não gostaria de fazer um teste para trabalhar
com Christian Dior? Para tanto, deveria ir a Paris ser entrevistado. Dior pagou
a passagem e lá se foi Guilherme, que passou em todos os testes e assinou um
contrato para ficar em Paris por um mês, para “diorizar” a cabeça antes de
começar a trabalhar. Zazá tinha razão!
Durante
seis anos, Guilherme fez a ponte aérea Rio – Paris. Trabalhava das sete as sete
e, segundo ele, foi a época mais feliz de sua vida. Até que, depois de seis
anos na Dior, teve problemas. Ele se sentiu injustiçado, e processou a casa por
quebra de contrato. Processou, ganhou, voltou para São Paulo em 1991 e, com o
dinheiro, comprou um apartamento. Os anos haviam passado e ninguém mais
lembrava dele. Pois ele recomeçou e recuperou suas clientes, uma a uma. E
passou a costurar também para suas filhas e netas.
Dorme às
nove e meia, dez da noite, jamais vai a festas. Acha que o chique é cozinheira
da casa fazer o jantar.
Guilherme
tinha várias agendas: uma das clientes para as quais está trabalhando no
momento, outra dos compromissos marcados, outra das ligações que deve fazer
naquele dia, uma de Paris, outra de Nova York e mais uma de Buenos Aires, não
só com o endereço dos amigos e dos restaurantes, mas com a descrição dos pratos
de que gostou e pode querer repetir, outra com os telefones para onde deve
ligar se perder os cartões de crédito (com os respectivos números), uma de São
Paulo, mais uma do Rio. Todas elas - dos últimos 20 anos - estão guardadas.
Para
Guilherme, o luxo da vida é pegar um avião na hora que quiser, para onde
quiser, sem ter que dar satisfação a ninguém, comprar objetos de arte – tem uma
tapeçaria de Lurçat e um biombo Coromandel, além do Miró.
Guilherme
dizia, sem pestanejar, que sua melhor cliente foi Lucia Flecha de Lima. Mandava
os croquis, ela aprovava e os vestidos iam prontos e perfeitos. Em 1991,
hospedado na embaixada em Londres, Lucia ligou para o quarto dele e disse que
queria apresentá-lo a uma amiga. GG desceu, muito à vontade, e deu de cara com
uma moça loura, altíssima e linda, vestida de jeans e uma jaqueta vermelha. Era
Diana, a princesa de Gales. Disse que gostava muito das roupas que ele fazia
para Lucia e que adoraria ter vestidos dele, mas o protocolo a impedia: ela só
podia usar roupas de costureiros ingleses.
Hildegard e
Ruth Joffily escrevem a biografia de Guimarães, "Memórias de um
costureiro", que, segundo a colunista, esperava lançar com ele ainda vivo.
Ela conta que, no último ano, o estilista não pode trabalhar muito. Sem dinheiro,
teve que recorrer à rede pública de saúde para se tratar do câncer.
Guilherme
morreu em 2016 aos 76 de câncer no fígado.
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-cheiro-de-cimento-me-inebria/
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